Inclusão ou Exclusão Digital?
convidados em 12/03/2008
Uma constante preocupação surge entre os educadores e políticos ligados ao bem-estar social: a inclusão digital. Infelizmente o que vemos na prática esta muito além do que gostaríamos. Um exemplo é a minha cidade natal, já que Bauru (interior de São Paulo) implantou a um ano um projeto de inclusão digital com algumas características bem discutíveis. Uma revista local menciona que a Planeta Educação foi contratada por licitação para implantar o projeto Click Inclusão em todas as 15 escolas municipais de Ensino Fundamental de Bauru, composto de 284 computadores e 18 títulos de softwares educacionais e beneficia dez mil alunos. 1
Duas coisas me chama a atenção na matéria: primeiro a imagem de alunos utilizando o Microsoft Word e em seguida a seguinte declaração de uma professora: “Hoje faço uso de recursos (Word, jogos, Internet, Power Point) que nunca pensei que pudessem auxiliar no processo de ensino e aprendizagem.”.
Ou seja, a “inclusão” digital em Bauru está ocorrendo através de softwares proprietários, mas não só isso ela está treinando os usuários a utilizar apenas determinados programas. Isso porque os alunos e professores não estão aprendendo a parte conceitual, eles estão aprendendo a operar aplicativos da Microsoft. Isso pode parecer um pouco estranho para os leitores de blog, mas existe uma grande diferença. Nós computólogos e programadores em geral temos, normalmente, a facilidade em aprender a utilizar softwares por mera comparação enquanto que muitas outras pessoas, por outro lado, tem dificuldade usar o Firefox após ter aprendido a usar o Internet Explorer. Por que isso ocorre? Pelo simples fato de que devemos ensinar a utilizar um navegador de internet e não um determinado software. Ou seja, devemos focar no conceito e não o produto na hora de ensinar.
Meu problema não é com software proprietário (apesar de que eu particularmente prefiro os livres), mas com o fato de que a inclusão digital deve ser feita com cuidado. Não basta fornecer o hardware e o software, esse projetos precisam ensinar os conceitos por trás do uso do computador para que não tenhamos uma geração que só sabe usar determinados softwares. A professora da matéria obviamente não tem culpa, até porque ela é uma aluna tanto quanto os outros. Esses projetos precisam fornecer uma formação forte para os professores, para que os mesmos passem o conhecimento de forma correta aos alunos. Eles devem se perguntar também se o ensino está ou não focado no software.
Ou seja, projetos como este não promovem a inclusão digital que gostariam, promovem sim a exclusão digital. O que eles fazem é formar mão-de-obra barata capaz de operar um computador da forma que eles julgam necessário. Assim, empresários podem ditar o texto para um estagiário que recebe um salário mínimo que o mesmo irá digitá-lo no Word. A exploração do trabalho humano apenas muda de forma mas não muda sua crueldade intrínseca.
Atualmente vemos muito discussões sobre a OLPC permitir ou não o Windows no XO. Apesar de ser uma discussão válida por motivos econômicos e filosóficos (como provavelmente Stallman nos lembraria) não basta pensar nisto. Existe um assunto mais profundo do que esse que aborda como esses laptops serão usados e isso é válido para todos os projetos de inclusão digital. Devemos ensiná-los a utilização dos sistemas de forma conceitual em vez de prende-los a determinada empresa.
1 Bauru comemora primeiro ano de implantação do projeto Click Inclusão nas escolas, Revista Atenção, Bauru, 31 de Dezembro de 2007, número 285
Foto original por Bayat.